Estudante baleada na cabeça pela PRF no Rio: imagens exclusivas mostram final da perseguição
Fantástico também obteve acesso com exclusividade a dados da perícia. Imagens e informações exclusivas detalham o caso Juliana Leite Rangel
No Rio, uma família viveu uma noite de terror na véspera do Natal. As cinco pessoas estavam num carro que foi perseguido por policiais rodoviários federais. Eles abriram fogo contra o carro e feriram Juliana Leite Rangel, estudante de enfermagem, de 26 anos, na cabeça. Repórteres tiveram acesso a imagens e informações exclusivas e mostram detalhes desse ataque contra pessoas inocentes.
O carro da família de Juliana passou por perícia e a reportagem obteve com exclusividade as informações. O veículo foi atingido por cinco tiros efetuados pelos policiais rodoviários. Todos disparados na parte de trás do carro. Um dos tiros atingiu o retrovisor esquerdo da viatura e, segundo a apuração, o tiro foi dado pelos próprios policiais.
No banco de trás do carro, estavam Juliana, o irmão e a namorada dele. Na frente o pai, dirigindo, e a mãe com um cachorro no colo. O carro também levava parte da ceia que ia ser celebrada com parentes em Niterói, na região metropolitana do Rio. Mas, na Rodovia Washington Luís (BR-040), na altura de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, o encontro com a viatura da PRF mudou tudo. Um tiro acertou a cabeça de Juliana. O outro, o dedo do pai.
Imagens exclusivas mostram o final da perseguição policial, já com os carros parando na pista. A família conta o que aconteceu:
"Eu estava dirigindo na pista de alta, né? Eu estava em 90 velocidade até 110. Aí eu olhei no retrovisor, eu vi aquele giroscópio. Aí, eu pensei que era uma ambulância. Liguei a seta. Dei passagem. Mas só que quando ele chegou perto de mim, jogou atrás de mim. Eu falei: 'Ih, não passou não'. Aí eu liguei a seta e voltei. Quando eu voltei, mandaram bala. Sem mandar parar. O estilhaço do vidro do carro começou a espirrar na gente", diz Alexandre da Silva Rangel, pai de Juliana.
"Quando deu o primeiro tiro, a gente achou que fossem fogos, então a gente não abaixou. A gente só abaixou quando a Juliana falou pra gente abaixar e a gente sentiu o vidro de trás batendo nas costas da gente", diz Helena Fernandes, cunhada de Juliana.
" O tiro pegou direto nela", diz o pai.
Juliana passou por uma cirurgia para retirar o projétil da cabeça e ficou em estado gravíssimo. Os três policiais rodoviários envolvidos no ataque, dois homens e uma mulher, foram afastados e tiveram as armas apreendidas. Em depoimento, eles reconheceram que atiraram contra o veículo. Disseram que ouviram disparos e deduziram que os tiros vinham do carro da família.
"Eu preciso lhe reafirmar que os protocolos de procedimento da Polícia Rodoviária Federal não têm previsão para disparos em fundo de um veículo, salvo se esse veículo estiver representando alguma agressão injusta aos policiais. O que ocasionou a tomada de decisão dos nossos agentes para aquele procedimento é o que será apurado no processo disciplinar e o que será apurado pela Polícia Federal no processo que tange à parte criminal", diz Fernando Oliveira, diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal.
Foi a terceira vez, desde o ano passado, que famílias são vítimas, nessa região, da violência de policiais rodoviários federais que chegaram atirando. Em junho do ano passado na mesma rodovia, Anne Caroline do Nascimento morreu depois que agentes atiraram oito vezes no carro em que ela viajava com o marido.
Três meses depois, a PRF cometeu o mesmo erro e a vítima foi uma menina de três anos. O carro onde Heloísa estava com os pais levou três tiros de fuzil, antes mesmo de ser abordado.
O Ministério Público Federal investiga os casos, inclusive o de Juliana, na Promotoria que faz o controle externo da atividade policial.
"É claro que os policiais não podem deixar de ser responsabilizados criminalmente, desde que fique provado que eles agiram com dolo, enfim, depois do devido processo legal", diz Eduardo Santos de Oliveira Benones, procurador da República no Rio de Janeiro e chefe do controle externo da atividade policial.
O ataque à família aconteceu no mesmo dia em que o governo federal publicou um decreto para disciplinar a atuação das polícias no país. As normas valem para as forças federais, como PRF e Polícia Federal, mas o Ministério da Justiça espera que estados e municipios também sigam as regras.
O decreto pretende padronizar o uso da força policial. Os estados que quiserem receber verbas do Fundo Nacional de Segurança Pública e do Fundo Penitenciário Nacional para a compra de armas e equipamentos terão que aderir às diretrizes.
Pela norma, um policial ou agente de segurança só pode usar a força quando outros recursos de menor intensidade não forem suficientes. E com bom senso, prudência e equilíbrio. A norma reforça que a arma deve ser o ultimo recurso. Não deve ser usada contra veículo que desrespeite bloqueio policial. E nunca contra pessoas desarmadas.
Esta semana, em São Paulo, um policial militar atirou contra um jovem de 24 anos, desarmado. Uma câmera de segurança registrou o momento em que PMs tentavam liberar uma rua bloqueada por moradores.
Um rapaz se aproxima com o celular na mão. O PM parte para cima dele, e ambos saem do alcance da câmera. Outro policial atira contra o homem. A alegação foi de que o rapaz tentou tirar a arma de um PM. Não há esse registro nas imagens. A Polícia Militar instaurou um inquérito e afastou quatro agentes envolvidos na ação. O homem está internado na UTI.
Os governadores Tarcísio de Freitas, de São Paulo, Cláudio Castro, do Rio, Romeu Zema, de Minas e Ratinho Júnior, do Paraná, divulgaram uma nota em que acusam o governo federal de interferir na política de segurança dos estados. Eles dizem ainda que a medida "beneficia a ação de facções e pune homens e mulheres que diariamente arriscam suas vidas em prol da sociedade".
Para Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, as normas não significam uma novidade para as forças estaduais de segurança.
"Muitos dos procedimentos previstos no decreto já estão incorporados nas práticas das polícias, principalmente das polícias militares, há anos. E, em quase todos os procedimentos operacionais padrão, já existe a observância, por exemplo, dos códigos de conduta das Nações Unidas, exatamente o que está sendo previsto no decreto. O decreto só compila, ele só reúne normas que estavam mal regulamentadas, não regulamentadas ou esparsas em vários lugares."
Ele destaca um ponto importante do decreto. "O decreto eu acho que tem uma grande ênfase em separar o que é desvio individual de conduta, que precisa ser investigado, e o que é procedimento operacional padrão das polícias."
Testemunhas contaram que os policiais rodoviários envolvidos no caso da família da Juliana, no Rio, ficaram sem ação depois dos disparos.
Imagens feitas por um motoboy mostram a reação dos agentes. A família diz que eles não prestaram socorro. E que foram PMs que tomaram a iniciativa de ajudar a vítima.
A reportagem conversou com dois policias que participaram do socorro. Eles estavam numa cabine da PM perto do local.
"Eles congelaram no momento ali. Teve um colega da PRF que entrou em desespero", diz o cabo Luiz Fernando Fernandes da Silva. "Nós corremos, eu chamei ele, falei, vem comigo. Corremos até o veículo."
"Aí, tentamos fazer ali o primeiro socorro para tentar salvar ali a vida dela, né?", diz o cabo Leonardo Antônio Leite do Nascimento.
Os PMs tiraram Juliana do carro e a colocaram numa outra viatura da Policia Rodoviária Federal, que levou a jovem para o hospital.
"Às vezes, a fração de segundos de você demorar muito, 10, 15 minutos. De repente não poderia ter deixado ela estável", diz Silva.
O último boletim médico diz que o estado de Juliana é grave, mas estável.
"Nós vamos fazer pedidos de dano moral, dano material, eventuais danos estéticos e uma pensão vitalícia, se for o caso", diz Ademir Claudino, advogado da família.
A família, ainda em choque, mantém a esperança de ter de volta e recuperada quem era alegria da casa.
Em nota, a defesa dos três policiais rodoviários federais afirmou que, durante a abordagem, foram ouvidos estampidos. E que, naquele momento, os policiais acreditaram que o barulho vinha do carro da família. Isso levou os ocupantes da viatura a efetuarem os disparos. A nota diz ainda que os três policiais estão à disposição da Justiça para esclarecimentos.
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